A consciência, maravilha esplendorosa, é problema e mistério a um só tempo. Poderia ser a matéria da pintura, já que estar consciente é como pintar. Concordo que a palavra é meio infeliz, pois consciência embute um conceito de ciência, meio maroto, já que se refere a "ciente". Isto é, o que sabe. Ora, o saber se aprende até com o dedão do pé riscando na areia. Na consciência, o estado de quem sabe, assim como na pintura, o gesto que cria, acontecem muitas coisas simultaneas. De modo que explicar a consciência, ou a pintura, é um problema árduo. Mas jamais um mistério. Acredito que neste aspecto estamos no caminho certo, ainda que a Documenta, de Kassel e a Guggenheim Foundation estejam a nos por pedras, não para nos pavimentar, mas pra obstacular o desenvolvimento da pintura viva. Ora, a consciência jamais se acomoda. A arte só mostra sua verdadeira face quando experimenta a liberdade, mãe de todas as criações. O artista mais que pintar, colore as liberdades. Como em Pompéia, depois de Atenas, estas instituições, e outras mais, deviam se render definitivamente ao tema dos jarros de flores, por exemplo. Eu desafio: que encontrem artistas capazes de pintar novos jarros de flores. Com as flores se recebe com flores, se é hospitaleiro, tem-se a sensualidade implícita e explicita ao alcance dos olhos, e se é, como é, uma arte difícil arrumar um jarro de flores, imaginem os senhores pintá-los. É o mais fácil dos temas e o mais difícil de se ter a graça e a novidade. Desafiando as geometrias, os vasos de flores devem ser geométricos como um círculo e pessoal com uma hipérbole, além de extravagante e simples. As flores são a matéria e o sentido da paz. Flores com borboletas, eis o melhor dos quadros. Sem flores, estamos em Marte.
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Flores Amarelas e brancas / 1996 |
Gosto mais do Einstein cavaleiro da paz do que o cientista do novo mundo, ainda que até hoje fique pasmo com a gravidade que encurva o espaço, por exemplo. Ora, como vemos, já sabemos muitas coisas. Temos idéia como a sensibilidade e o conhecimento concorrem para que a "centelha” se acenda, quanticamente ou não, ou mais que isto, e que tudo se ligue instantaneamente e de maneira exemplar. Ou quase. Esta argamassa onipresente, na verdade, é eflúvio lírico, e está aqui e em tudo que está lá. Seria como se, a exemplo das mãos na pintura, o cérebro guardasse conhecimentos que fossem só dele, e o soubesse articular com a totalidade dos cérebros humanos, passados, presentes e futuros, e ainda com outros cérebros, quem sabe? Esse é o mistério. Cartas postas, breve saberemos, como na pintura, o que presta e o que não presta. Ou como a arte faz a vida -, eis a nossa questão. Ao pintar um novo jarro de flor toda a questão desaparece, pois a arte é anterior, includente e excludente à própria vida, e a um só tempo. Só um tempo. Qual o tempo, quanto dura o tempo da pintura? Com que máquina, senão a consciência, se poderia calcular isto? Máquina artística, vá lá, mas máquina. Muitas máquinas ainda virão, mas a consciência será sempre a mais perfeita delas.
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Lagoa com vento e borboleta / 2001 |
Enquanto isto, festejemos os indícios, os fatos que mostram a nova aurora alevantada sobre a terra. Hoje mesmo o Sol nasceu laranja e brilhante, muito brilhante. Logo depois amarelou de branco, impossível de se olhar. Terrível consciência. Ouço o galo, e não acredito. Tudo creio, tudo vejo e nada falo. Vivo como se estivesse acordado na eternidade do instante. Meus olhos procuram refletir estas paisagens, estes movimentos que a vida faz questão de mostrar, as suas excelências - que lindo, por exemplo, a música das esferas. Que barulho infernal, que silêncio reina esta manhã no Sol. Talvez não se pinte sem música, como não se poete sem ritmo. Tudo flui inesgotável da centelha surpreendente. Pinto e deixo a minha imaginação por si, mas já não sei mais se isto é imaginação. Parece mais fruição, doce. Espanto-me. Jamais pensei que pudesse imaginar coisas assim, que se sucedem sem lógica (a lógica férrea), no disparo da imaginação. A consciência, a pintura, portanto, seria isto: as novas realidades que não existem. Um exemplo: um belo dia, belo mesmo, fui apresentado por Chico Xavier, o surpreendente vidente e bom homem de Congonhas, a um senhor de nome desconhecido que parecia falar numa língua que eu entendia mas que não era a nossa. A princípio, mais que estranhar me surpreendi. Como podia entender uma língua que não conhecia? Conversamos por umas boas duas horas. Papo animado, cada um falando por sua vez, sem ansiedades. Variegados assuntos foram conversados. Entretanto, este homem notável, extraterrestre talvez, nada me disse de novo, nada que já não soubesse. Também não deixou seu cartão de visita. Dei-lhe o meu "volante biográfico”, contando-lhe minhas conquistas resumidas. Num gesto profissionalizante de um mágico, ele o fez sumir. Não me disse mais nada, foi extremamente polido e logo que se despediu tive a impressão que pudesse ser Jesus Cristo. Ora, logo a mim, pensei. Não, eu não estava gostando nada, Jesus aparecer logo a mim. Disseram-me que ele morreu na cruz para nos salvar. Mas eu não havia pedido aquilo, e não me parecia que devesse ser salvo. Salvo de que? Se a morte nada sobra, senão arte, imaterialidades, elevações finais e fim. Tem uma morte que é morte mesmo. Um quadro termina quando o pintor assina. Como seria na vida, então? Assinar? Filhos, fundações, pirâmides, muralhas, vitórias? Fuja delas, se queres viver. Fuja da vida, amigo, e agarre-se à pintura.