Oscar Araripe - Minha Vida de Pintor / XI

Minha Vida de Pintor / XI

Homem nenhum, cidade alguma. Ninguém viu Marco Pólo na China. Era tudo brinquedo, colheita e guerra. Ali a água unia e desunia. Agricultura e convivência. E havia corrido mil e tantos anos, de medo-civilização-, ainda que houvesse Corintho, terra de meu avô grego, Insibulus Trasibulus Marcoisos, lupanar maravilhoso, terra de uvas nas bocas. Moinhos purificados de tanto dinheiro purificado. Artes por sobre artes de milênios… China e Grécia; e eu pergunto: poderia isso decair? Claro que não. Promeu nada tinha de decadente. Era inaugural, arcaico, transmundano. Um herói verdadeiramente de lata, de brinquedo, mais que humano, infantil. Bush deveria aceitar o ultimato implícito de Promeu e fazer já a Big Share. A exemplo do Big Deal, a Big Share. O mundo queria a Big Share, afinal Bin Laden queria a Big Share (a Grande Distribuição.). A Espanha logo seguiria os americanos, e deixaria Promeu pintar os jardins de La Zarzuela, irradiando alegria àquela terra hoje tão triste e plena de comilões noturnos. Eu, modesto líder do mundo, queria ser o pintor do rei e pintar os seus jardins, jardiná-los com esta minha mão pré-mironiana, trans-murílica, unamuniana. ... Eu Promeu, pintor jardineiro do Rei, presentemente em ofício no palácio de La Zarzuela, podia salvar a Espanha.

Caraíva com Reflexo / 2005

Mas, que linda e maravilhosa arte é a escrita, essa que jorra e pode ser consertada, medida, pesada, arte nova na vida do homem -, escrita, mais que literatura, era a arte dos homens. Arte falada de baixa voz, e que podia arriscar dizer as cores de Promeu. Bela questão. Ele podia ser dourado. Ou branco, como você me sugeriu. Mas inexiste o branco no Brasil. De modo que prefiro o preto, este com que escrevo agora. Verde e preto, eis aí as cores de Promeu.

Bela contrapartida social. Grande momento do Brasil e de Tiradentes. Você, o maior momento do Brasil. Você, Vicente Botin, meu querido amigo em La Habana, amigo de carne e o osso, marido da Sol, um espadachim jornalista, raro homem do saber, bom amigo, gran combatant, você, Vicente, autoestimadíssimo, alegre, belo portador da bandeira da tolerância que combate a intolerância; enfim, o Brasil do Vicente e do Oscar, e do Alberto Dines.

Mas como, como pintar Promeu?

"Ora, pintando" - respondeu o meu amigo pintor Milton Ribeiro.

Caraíva com Reflexo / Bahia / 2005

Não, por mais que os anos me clareiem os cabelos, os conceitos relativos não me descem pela goela. Einstein, para mim e para ele, sempre foi um radical. Estive na China, na Revolução Cultural. Estive ali naquele gramado de Harvard olhando o Timothy Leary. Vi Paris nas barricadas e a Lisboa dos cravos nos canos das armas de Salazar. Cultura, tudo cultura. Prefiro a arte. Boas definições, nem que dure só 1 minuto.

Empunhar o pincel. O bom pintor, aquele que tem uma obra viva, nova e aceita, deve pintar. Bendita maldição esta a de purificar o dinheiro É de santo. Santo sem fé. Calado como soe ser a pintura. Para poder pintar nuvens - eis aí uma boa idéia. Trocar nuvens por dinheiro. E existe prazer maior?

Você pergunta e eu digo: Madrid, como o senhor sabe meu querido Príncipe das Astúrias, é uma cidade cara. Tudo bem, pinto tudo, seus salgueiros e seus jardins de lilases e ademais tem joalherias, museus, sorvetes finíssimos, delicatesses, cafés. E eu ficaria na dúvida: era eu no Poder? Um mau pintor, sem virtude, descrente das cores, da perspectiva, da composição, do tema. E que só acredita em dinheiro, dinheiro no próprio bolso. Por mim purificado, dinheiro verdadeiro. Árdua, árdua vida do pintor. Sem nome e invisível. Como vê, deu tudo errado. Não mudei em nada meu pensamento. Andei rezando, pedindo, mas já não creio em Deus. Não quero o governo do homem nem nenhum governo. A verdade está fugindo do meio. Meio mentiroso. Seja livro ou jornal, é tudo mentira belicista, palavras, palavras… Eu queimaria todos os jornais e tevês do mundo, exceto o Jornal do Brasil que hoje deu uma notícia sobre minha exposição em Santiago de Cuba, e a TVE, a tevê espanhola, isto para o meu amigo Vicente Botin não ficar sem trabalho.