Hidrogênio e Hélio, teria sido assim, a arte. Antes de tudo a arte. Ou seja, eram dois pintores: Hidrogênio e Hélio. Dois Deuses? Cabeça de barata... Eu devia crer que Deus fosse a Arte e que estivesse no começo de tudo -, e o que é pior: no fim. Não, o mundo não podia ser assim, um pranada de leis estúpidas, agressivíssimas, de madame Natureza. A gravidade, por exemplo. Repelindo ou atraindo era sempre fatal. O magnetismo queimáva-nos a pele. Nós mesmos, imorais ab ovo, estivemos o tempo todo acabando com os animais e vegetais e etc e tais. Vida de canibais. Enfim: estes dois poderizados-alucinados que formavam este quarteto apocalíptico eram como gêmeos suicidas, se atraindo e se repelindo fatalmente. Arte não podia ser resultado, era causa. Causa permanente. Estavámos ali entre o sufocante hidrogênio e o acelerado hélio, como? Declino. Acredito muito mais no jarro de flores, preferivelmente pintado. Vejam as flores! Hidrogênio é vidro, hélio cores. Fazem-se as cores artistizando o hélio. E o hélio, então o que é? ...Ladrão de mulher? Sem dúvidas. Com toda segurança pode-se dizer ser o hélio egoísta. Cores egoístas, que jamais se mostram -, paradas-mortas entre o óptico e o cérebro. Flores, flores nelas - diria. Já o hidrogênio era flamboyant. Imagina-se que a arte, esta entidade quinta e absolutamente independente da natureza fosse quem desse ao hidrogênio um verdadeiro, se me permitem os pacientes leitores, talento. O talento era a rocha das estrelas, sem dúvida, portanto devia existir algo errado e podre naquela visão capitalista manipuladora e fatal que tudo explodia e terminava. O capital, a capital. De que valem? ...se acabam começando apenas para acabar? Pobre Minerva, Iansã da Amazônia. Cobiçada Santana. Salvem-me. Pra que? De que valeriam meus jarros de flores se seriam quebrados pelos tolos gases soprados pela fúria divina? Divina natureza. Deve ter sido ele mesmo quem a criou. Talvez quisesse desde sempre ser humano. Teria sido maldade? Não sabia ele que a arte o precedia? Pobre Deus. Preferia as cores... muito mais. Bem, a outra hipótese seria a do erro dos gênios. Erro, gênio, estiveram sempre juntos. Mas somente na ciência e na matemática. Na arte não. A arte, longe de ser um gás, era impregnada de hidrogênio, pela simples razão de o tê-lo criado, assim como a mãe ao filho. Assim diriam, os mais apressados, ser o hélio, o sangue. Não, não creio. Nem em Deus nem no hélio, pois a arte engloba em suas quatro letras todos os elementos e fenômenos. Portanto, imaginem o mundo da arte. É puro oxigênio. Logo, erraram os cientistas ao não incluí-la entre os gases (ou forças) primordiais. Mas não creiam ser a arte como os gases naturais. Sua natureza avita não o permitiria. A arte, portanto, no hidrogênio se imiscuía, fazendo-o reagir, e no hélio se inflamava, consumindo-se. Mas não toda a arte. Consumia-se o hélio e o hidrogênio, mas jamais a pincelada. Como Da Vinci, um bom pintor até pinta. Caso queiram, peçam, paguem, posso lhes propor sistemas de defesa inexpugnáveis, canhões de perseguir anões, aviões dentados, tubarões seguros e submergíveis que varassem o mundo. E assim era o mundo (da pintura). Crédito? Só para comprar automóveis. O resto era uma luta, escravos por sobre escravos. Ou seja, antes de tudo tínhamos que sair dali. Ali fora apenas um tempo vivido, imperceptivelmente, quando tudo parou. Credo. Não podia suportar aquilo. Teria que levar meus jarros de flores. minha marinhas(eu, pintor-peixe, da terra dos oceanos), meus casarios de sonhos (enrolados que fossem) para o mais longe possível do Sol. Ali sim morreria em paz. Paz. Escrevi para isto. Pinto por isto. Tudo porisso. Beleza. Comida. A linha como a boca, a perspectiva sem tamanho, a pintura econômica e achatada, pra que mais? tudo enfim concorria para o surgimento das cores. O fato era artístico. Era crença. Uma religião... não, meu pensamento claudicava, era o medo, devia ser o poder, só podia ser ele. Uma religião da arte ou uma arte como religião, que mais podia eu querer? Pare! pare aí, tonta cabeça, tão só, tão pouca. Devíamos tê-las em quatro, como um tripé, 12 patinhos nadando numa lagoa de nome Agua Santa. Tudo Santo. Ontem, de Todos os Santos, hoje dos mortos. Ancestrais, todos vivos. À frente, atrás, lado a lado. Tenho saudade de minha vizinha Zizinha, principalmente quando mexo com a horta. De meu irmão que mal conheci e que gostava tanto. Mamãe, com certeza, deve estar no céu (não sabia fritar nem um ovo e me deixou com quatro anos, depois de me deixar mamar três e meio), papai, não soube amar, nós ambos, melhor dizendo, pois lembro-me que algumas vezes se aproximou de mim, um sorriso, um afago na minha perna, eu, já com 55 anos, aos 10, quando me deu uma espingarda de chumbinho e fomos caçar marrecos em Itaguaí, numa baixada de brejos outrora muito belíssimos, com nenúfares e galinelas-d'água, patinhos, nunca vi coisa mais linda. Sou, devo ter sido pato, se pato fosse, já que raposa tenho certeza. Uma longa cauda prateada encharcada de água pristina, e que se tiver tempo deixarei em testamento para minha linda mulher. Pintura!? Literatura!? Uma sim, outra não. Impublicável livro, insípida pintura. Não, pintar era colorir desde o zero e escrever era prevê o futuro, logo a arte era solúvel. Era só pintar, nada mais, escrever, ora. Não ora. Siga os sentidos, procure ser corajoso. Enfrente. Enfrentar. Eis aí a lança do pintor. A mão. Sorte a minha ter uma mão e muitos passarinhos canoros me comendo as sementes fadadas. Ou seja, se queres ser pintor dedique sua vida a olhar os pássaros. Nada mais semelhante. Música, cantores, os outros artistas, os que podiam voar. E dançar também. Os meus mais lindos ballets assisti com os pardais banhando-se na areia dos campos de bola de gude. Jamais vi canto mais preciso, nem penas tão coloridas (havia vida ali). E ficava a imaginar suas penas colossais pré-neolíticas que se viam fumegando nas rochas quando das mudas, e os brados melodiosos que estrepitavam nos vales dos rios recém-nascidos, suas peles escudadas e duras, o bico inquebrável, pronto e torcido para a rapina, o grito, o vôo trans-planetário. Como, como não pintá-los? Se um corpo, uma flor, uma montanha, um significativo mar, fazia recuperar até o gozo perdido, o que se dirá dos pássaros, eu, que nada mais quis que voar. Voar, que um pintor não precisa de nada. Sfumato Da Vinci.
Amigo, não pense que são só flores e borboletas na horta dos Araripes. Minha Vida de Pintor é um bom exemplo. Jamais me senti tão só com um livro tão "publicado". Já não se conversa com os artistas, nunca conversaram. Falamos sozinhos, calamos sozinhos, mas antes se conhecia pelo menos um de nossos leitores e hoje, on-line e in progress como MVDP, não se conhece ninguém. Estou só, muito mais só, com o texto sem nenhuma cópia. Ninguém me copiou. Um trabalhão de idéias, imagens e carpintarias e parece que nada disse. Pudesse eu dizer nada quando escrevo, tanto quanto quando pinto. Antes, escrevia-se para fulano, hoje escrevo pra mim, como se reunisse sem querer todos os meus inúmeros leitores, já que fui e sou bem lido. Mais lido, menos sabido. Outra coisa muito interessante, desafiante e curiosa é que se trata de um livro sem fim e que já não precisa ser publicado. Seria édito e impublicado, ou publicado sem édito? De qualquer maneira é algo novo. Muito só. Absolutamente sem leitor, sem estrela-guia, sem Iansã, sem nada. Um livro que é uma vida e que só existe no ar, que nem existe. Amigo: virei fantasma! E é muito melhor que pirata. Fazemos fogueiras de fótons, em desertos estrelados... amigo, preciso muito de você. Não para que me diga que não estou louco. É outra coisa. A dizer, além de tudo, tem imagens. Mas não são ilustrações, como nos velhos livros. Não precisam ilustrar, tem vida duplamente própria, já que as datas são insustentáveis, tenho que mentir para pô-las, nem mesmo sei se devo pô-las, já que não as ponho nos quadros. Quadros sem datas. Também não quero do dileto e querido amigo nenhum consolo pelo hercúleo trabalho que empreendo, e sim sua pessoa literária, jornalista, araripista e amiga. Devia eu deletar tudo, já que meus quadros calam tão bem? Cuidar de não fazer nada, já que fiz tudo, tenho filhos crianças e maravilhosos, mulher como não vi em Cuba, meus passarinhos (de gaiola e soltos), peixes port-bonheur, minhas plantas por mim plantadas, etc... lembro-me amigo que tem umas palmeiras tão bonitas aí em Cuba, especialmente por ali onde se compram livros maravilhosos, onde passeamos juntos, será que você me mandaria num envelope umas sementes desta palmeira de sonhos? Outra coisa: você conhece o "mamaozinho", uma frutinha verde, meloginosa, muito saborosa (aqui no Brasil seria um pitomba, mas, muito melhor que a nossa. Na China lichin)? Trouxemos umas sementes de nossa viagem à Trinidad. Mas não pegou. A Casa da Cultura do Caribe, de Santiago de Cuba, creio que acabou ficando com meu Repetróglifos Caribenhos. Quem sabe eles não me mandam em troca umas sementes de "mamaozinho"? Meu Repetróglifo por umas sementes de "mamaozinho" - eis aí um bom negócio.
Pobre Brasil. Esqueça Fidel. Ele não vai morrer nunca. Olhem pro Brasil. Antes era a língua. Ai do artista que nascesse no Brasil ou na Lusitânia, era isolado e fadado. Hoje, falta tragédia no Brasil (se é que falta). Feliz Colômbia, feliz Botero -, feliz Afeganistão, feliz pipeiro -, feliz Iraque, feliz Osama Bin Laden. Fox CNN GloboNewsExtra, todos dizem: há que ser trágico. Pobre de quem, em sendo artista, não tem sua vida trágica, pessoal ou nacional, preferivelmente ambas para oferecer à mídia das celebridades. Botero diz, ou dizem por ele, que a arte é acusação. Não creio. Acho ser mais que isto. Contudo, em sendo, acuso: ...talvez falte a verdadeira inteligência, pois de que vale a arte se não leva à paz do guerreiro? A paz do pintor que combateu o bom combate que nem existe? Botero teme ser sequestrado, tão rico e famoso ficou, nestes tempos de glamourização do pintor. A imprensa lhe assedia, corre atrás de sua arte satírica e denunciadora e ele não apressa o passo. Não olha as flores, olha as folhas, não da paisagem, da imprensa. Terrível pacto, diabólico arranjo. Meu senhor: dou-lhe a pintura parada e anedótica e você a preenche de historinhas, preferivelmente humanas e gordas. Gordinhas! Os grandes pintores pintaram gordinhas simplesmente porque era mais fácil. Difícil é pintar magrinhas. Só Modigliani, só Klint, pois corre-se o risco do expressionismo. Botero não arrisca. Pintou umas flores também gordinhas, mas nada arriscado. A calar-se, como Rembrandt, preferiu gritar como ilustrador. Curioso: o grito, em pintura, não se propaga no ar. Exceto na mídia. Don Quixote, hoje, talvez se arremetesse contra a TV Espanhola. Contudo, o que importa, em arte, aqui ou em La Mancha ou Bogotá é se tem vida ou não. Espero pelas flores de Botero, que lhe arriscariam a fama mas lhe permitiria uma vida mais salva.
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