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Autoretrato / 48 de 50 / O Pilar do Areião / 1986 |
Inimaginável mundo das artes. O verdadeiro pintor, aquele que tem a obra viva e de ânimo definitivo, a chama do novo e o reconhecimento por quem de direito, só pensa mesmo em ganhar dinheiro. Pode pensar e fazer a arte ao mesmo tempo, porém. Único no mundo único, o pintor só pensa em imagens, que são dinheiros. É a maldição do grande pintor: purificar o dinheiro. Ou seja, não é pra artista, é mais pra santo. E santo não tem cultura. Santo tem fé. Eu sou um santo sem fé, calado e vivo como minha pintura. Como nuvens, pintar nuvens - eis aí uma boa idéia. Trocar nuvens por dinheiro. Existiria felicidade maior?
Assim, a questão não é exatamente os 50% dos marchands, é a inexistência dos mesmos, e também não é a perda da integridade psíquica, ao ceder-se a cabeça aos curadores, pois meu próprio negócio de pintura permite esta faixa de comissão e arbítrio - enfim, curador não seria bem o meu caso. Mais o seria o de um Cura-alegria. Mas, precisaria ser uma galeria de porcelana no coração de Shanghai e, tanto quanto isto, um marchand com olho de artista. Marchand é coisa de talento, e rara hoje em dia, e sempre, até porque exige-se um background cultural, uma sabedoria instintiva, etc. Só conheci 1 com estas características, o Jean Boghici, aliás meu primeiro e único marchand. Era o maior marchand do Brasil. Nunca me vendeu um quadro. Preferia os quadros caros e eu era um pintor apenas de talento que fazia sua primeira exposição, com ele, em Ipanema, Rio de Janeiro. Com ele e a Olívia Khan, que olhava os quadros por cima e os expunha como ninguém. Também nunca me vendeu um quadro. Se ambos pudessem ou tivessem comprado obra minha, estariam ricos hoje . Além do mais tinha que ter o ponto. É difícil, caro… e os bons pontos acabam sendo boas bostas para a arte, bosta cara, mas bosta. Joalherias, sorvetes finíssimos, delicatesses, cafés. Enfim, era eu ou ele? O Poder? É; sempre transitei nesses extremos: os príncipes e o povo, o inserido e o marginal. Mal tinha nascido, filho de médico gaúcho e mãe professora cearense vi navalha e maconha no Encantado, nos anos 40. O álcool em Ipanema. Sou um pintor virtuoso, que não acredita nas cores, na perspectiva, na composição, no tema. Não que não existam, mas porque não servem para nada. Revolução, para mim, é pintar um novo jarro de flores. Só acredito em dinheiro que surjam das flores, e dinheiro no meu bolso. Purificado dinheiro verdadeiro. Portanto, amigo meu é quem me dá flores porque gosta dos meus quadros. Acredita na minha aventura, que aliás hoje nada tem de aventureira. Meus amigos me pagam a aventura. A minha árdua vida de pintor. Na verdade nasci atrasado e não pude ser jardineiro nem poeta, daí quis ser banqueiro. Ou melhor, queria nascer príncipe, não príncipe da Inglaterra, mas príncipe mesmo, nobre e rico. Como no Docodema, O Governo do Poeta, um de meus 12 Pilares transcritos visionadamente das imagens arcaicas do Brasil. Nobre dinheiro meu, sem nome e invisível. Um calo de jardim na mão. Como vêem deu tudo errado. Sou pintor, e depois de ser ex-tudo, vendo e salvo a minha arte, chefe de família feliz, nem rico nem pobre, armadilhado, mas nem tanto. Neste Brasil. Ilha do mundo.