Minha Vida de Pintor / LAs tintas, principalmente as políticas e as religiosas, digladiavam-se entre si, enquanto que as cores jamais. Não havia competição na arte. Era um outro mundo, mais possível do que este, onde a competição cessava e, aos finais, o progresso aparecia. Já ninguém podia ser uma pessoa ocupando o lugar do outro. Ou a pessoa criava o seu espaço pessoal, ou... não podia ser um selvagem high tech. Sem a competição predatória seria espantoso o progresso do mundo, como o é provadamente na arte, onde já não há o progresso. E não venham me dizer que o mundo não é a arte. O que mais podíamos inventar de melhor, já que nossa consciência apagara-se na vil tristeza de um mundo corrompido -, onde regras para não se pintar, gentes, institutos, corporações, mentes inteiras não me deixavam pintar? Pintava a despeito -, sempre. Tinha que publicar e editar pensamentos certeiros, já que o artista só era grande se criasse para inventar um espaço só seu, uma propriedade pessoal, imaterial e indestrutível. Que me roubem as imagens que suei (com facilidade) para fazer, que me roubem os mais belos textos jamais escritos por mim, que me roubem todas as imaterialidades, e mesmo assim eu seria um pintor feliz, e alegre. Iria a tudo salvar deletando, homem por homem, país por país, com uma só, simples e inspirada pincelada. Capaz de tirar de uma vez os homens das paisagens e salvar as borboletas.
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Repetroglifos Caribenhos / Convite / Cuba / 2005 |
Os scholars da arte deveriam dar voz as borboletas, fazer calar o bla-bla-blá, os paragolês, as tungagens banais. Que dessem voz a Dionísio (seria com à, craseado; seria Dionísio mulher?) Que roubassem com luvas brancas... tivessem a coragem dos piratas, para lutar contra os corsários artistas, como eu, que pinto a serviço da Duquesa de Alba, a minha amante, La Violetera. Mas qual? Eles nunca calavam. Tinham vozes multiplicadas, empulhadas, lançavam a confusão que dominava, escravizava-os com telas e sem telas. E que eu deixasse de vez e para sempre a Ministra Melina, a movie star Katrine, a atriz Maria Fernanda, a Hepburn (que dividi com o Murilo Mendes), a princesa Márcia Araripe, a administradora Lila, a jornalista... e só pintasse La Violetera. Todas as mulheres do pintor. Mas...tinha lá pintor sexo? Não seria eu tão-somente um homossexual que não gostava de homem? Ora, para pintar era melhor esquecer as mulheres... e se concentrar em nada. Fujam, ridicularizem esta história da linha e da não linha. J.L.David era chinês e pintava a linha, Goya, sem perceber, acabara com a linha. Uns começavam a linha e outros sublinhavam a linha, eliminando-a. Ah! Quanta tolice! Tudo é linha, ponto, plasma, fótons... pobre de quem vive assim neste mundo a chorar. Vai acabar deixando cair lágrimas na tela, como Pollock, como eu, que pinto na horizontal. As cores não valem nada, a linha é um poço fundo. Tudo era feito de estrelas derretidas. Mesmo Melina, minha princesa de boca fina e seios lindos, mesmo Katrine, administradora de minh’ alma, gentil e elegante, criatura selvagem...não, nunca mais.
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Um "mojito" com Cidinha / Trinidad / Cuba / 2005 |
Jamais, jamais a esquecerei -, era um balcão árabe de madeira marchetada de madre-pérola e madeiras finas, uma jóia de arte, e ali repousada, com os braços para trás, jazia ela viva na minha pintura (e na dele, de Goya). Mas, mesmo assim, ela pulsava. Era o retrato de uma bela mulher. Mas, mesmo ela eu devia deixar, se quisesse pintar. Eu não podia continuar sendo um pintor que adorava os filhos, amava a mulher, tinha saúde (ainda que dois tanques do US/Israel me tivessem passado pelo ombro, o ombro do braço com que pinto e escrevo), e cortejava os amigos dando-lhes régias pinturas -, enfim, eu tinha que construir um espaço cravejado de cravos martelados, pois, diziam, assim era o mundo. Não. Eu não queria e não era daquele mundo. Banal banana que não se plantando dá. Não. Tudo caiu. Ficou estendido no chão sem socorro. Foi-se a água, foi-se o ar, foice, foice nos pastos devastados do Brasil. Promeu, o que amazoneu, o maior profeta que você ainda não leu, nasceu em Óbidos, e isto não foi por acaso. Ele escolheu nascer e nascer ali. Não era um personagem, era uma pessoa, daí ter amazonado, isto é, entendido a estrategia da Amazônia para a salvação do que restar da bomba global do aquecimento de todos os homens da Bush/Administration.
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Repetróglifos Caribenhos no Parque Céspedes / Santiago de Cuba /2005 |
Bem, pinto, logo creio na jardinagem. Novamente Copacabana, a Princesinha do Mar. Promeu nasceu pra isto. Meu espaço, portanto, são as praças onde quando jovem fazia discurso e hoje, nada velho, exponho permanentemente ao ar-livre minhas megas pinturas. Uma vela pintada ao ar livre. Puro desafio. Uma vez, em Santiago de Cuba, terra do desafio, expunha meus Repetróglifos Caribeños no Parque Céspedes, em frente ao belo Ayuntamiento, afrontosamente de costas para a Matriz e ao lado da linda Casa de Velásquez (não o pintor, mas o conquistador)... quando, subitamente, avisou-se que o Dennis, um furacão da nova geração bushiniana, aumentado pela devastação ambiental, estava, enfim, chegando. Aparentemente calmos, os cubanos prontamente se organizaram (na verdade já estavam), evacuando e guardando pessoas, bens (na verdade ventiladores e cobertores), eu pensava se devia ou não desmontar minha tela de três metros por três. Preferi deixar. A praça foi ficando cada vez mais vazia. A poderosa Casa do Caribe, através de seu poderoso diretor, o Sr. James, queria que a desmontasse, que era um risco, que não havia mais ninguém lá para vê-la, que não se responsabilizavam, etc. mas, finquei pé, e fiquei, eu, minha mulher, alguns diletos colegas artistas de Santiago e aos poucos foi chegando mais gente (turistas inclusive), de modo que em pouco mais de duas horas me transformei de um artista politizado num David de Michelangelo, nu, confortavelmente ajudado e amado, diante do malgrado furação. Olhei para Sierra Maestra. Parecia quieta. Inquieta como eu...
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Meu Repetróglifo no Parque Céspedes / Atrás a Catedral de Santiago / Cuba / 2005 |
A TV-Espanhola noticiou a resistência, manteve um simpático cameraman lá e quando o Dennis estava a ponto de chegar, como que por mágica, não passou por ali, pelo Parque Céspede, embora o que passou já fosse poderosíssimo. Concluindo, a notícia rapidamente se espalhou e a tela foi considerada um sortilégio, razão pela qual desde então vem sendo exposta publicamente na Casa Del Caribe, como tributo à força da arte, no caso, de um simples pintor do Brasil, muito complexo, mas que tinha vencido o furação do não-protocolo de Kioto.
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Repetróglifo em frente ao Ayuntamiento de Santriago / Cuba / 2005 |
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