The Big Sharing, a grande pincelada, bem além da linha, o puro achuriado, a linha mais que a cor -, e outra vez penso na Grande Distribuição, o mais belo quadro, a solução para a superação deste tipo de guerra, que está a nos matar a todos. Estamos todos apartados. Só a Big Sharing nos daria a equânime e justa distribuição das riquezas do mundo. Pintar é como vencer outras guerras, pois de que vale a linha e a cor diante da apartheid de Bagdá? Pintar e vencer outras guerras, muito mais elevadas até. Então, façamos o big sharing. Dê o que é seu, exceto o que é verdadeiramente seu, o seu pessoal. Mas como convencer os ricos a distribuir o que é seu, e ao mesmo tempo não é? Impostos? Mandá-los para as guerras? Não creio. Os ricos estão cada vez mais poucos e mais ricos. Os impostos enriquecem os ricos. Os jovens vão às guerras. As oligarquias se revezam na dança democrática.
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Tiradentes / Passagem do ano / 2000 |
Enfim, a paisagem é socialista. Mais que nunca comunista. Vos espero no grande anarquismo pessoal, onde realmente as cores ganham vida e a vida já não é cruel. ...Não posso achar grandeza no óbvio fato de purificar o dinheiro dos ricos que me compram as minhas ricas telas. Nem todos são ricos, adianto, meus quadros não podem ser mais caros (são apenas vendidos na minha arcádia, quase sempre por mim mesmo). Ou seja, pergunto, deveria a arte pertencer a um fulano ou beltrano ou mesmo a uma instituição? Creio que não, penso que sim. A verdadeira riqueza, isto é, a pintura, é uma propriedade pessoal de quem a vê. Nunca esquecerei os bons quadros que vi e possui até a ereção. E não creio que a figura humana até então mostrada pela pintura, e dela para o resto do mundo, corresponda ao que imagino possa ser e é a figura humana. Por isso, e até então, procurei tirá-la da minha paisagem, embora seja inconcebível uma jangada sem jangadeiros. Pintei uma jangada no alto mar, verdísimo do Ceará, com jangadeiros. Pintei o Dragão do Mar, um negro jangadeiro enorme, abolicionista valente, diante da praia de Iracema, num fim da tarde de bronze metálico, após um dia e uma noite no mar. Pintei muito a figura humana. Mas não como a vejo. Talvez umas 1.500 imagens. Talvez mais. Mais de 1.500 imagens de figurações humanas, todas inusitadas e pessoalizadas. Figuras, crenças-, o governo do Poeta. ... e sabia lá a humanidade, verdadeiramente, a sua imagem jamais vista?
Assim que pintar, sem idéias e por pintar, é o mais absoluto ato de dar, e por certo o há de acabar com esta e com todas as guerras. Pintar é portanto um big sharing. Certamente você tem um big sharing pra dar (a esta altura esclareço que esta nominação inglesa me foi sugerida pelo escritor e fotógrafo bostonian-tiradentino, Benjamin Batchelder). Mas, infelizmente, não fui chamado para o debate sobre a paz na BBC, de Londres, realizado esta semana, quando me fazem lembrar o ataque ao WTC. Todas as guerras são iguais. Todas têm razões econômicas e utilizam-se das religiões e das leis para recrutar seus combatentes. Cristãos, hoje, combatem até em Darfur. Como sempre, razões é que não faltam. Guerras se fazem por razões. Hoje o Papa Bento 16 disse que o Islã passa os infiéis nas espadas. O que é uma verdade, considerando o contexto que o ameaça, ou seja, as cruzadas. Os cruzados não vem os cruzados. Quem disse que eu sou cruzado? - diria o cruzado. Os cristãos jogam bombas atômicas, nada de novo no front. Eu sou um fundamentalista da Beleza que nasce da Justiça, um fundamentalista do pincel, das cores, da luz que jamais cega. Minha bomba é harmônica. No debate, em que não fui convidado, e quando digo eu estou dizendo o artista, o representante da Administração dos Estados Unidos disse que quando punha o dinheiro para construir o que eles mesmos haviam destruído acabavam beneficiando uma das partes, o que provocava novas guerras. O petróleo, eu pensei. Já ninguém fala mais do petróleo. Ninguém sabe quanto petróleo está sendo retirado do Iraque, quanto aço da Amazônia. Simples vendas de armas, conquista de riquezas, um problemão simples e complexo a um só tempo, dos homens armadilhados. Há uma mídia de guerra, armadilhada. Religiões de guerra para as guerras. Todos querem ser bons moços mas nada fazem pela mocidade, mandando-a pras guerras. Guerras por sobre guerras, desemprego, isto é, guerra, Deus, isto é, guerra. Só o socialismo acaba com o desemprego. Só o socialismo acaba com Deus. Fé no socialismo. Só a arte e a jardinagem dão o pleno emprego. Pelo governo do Poeta.
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Tiradentes / Noturno / 1999 |
A pintura, boa mestra da vida, diz que não devemos morrer com as guerras. Isto é coisa para soldados, e os soldados acabaram. No fim restará a pintura, o mundo que inventei, que não existiu... dizem eles, mas eu não acredito. Nunca cri na guerra. Nunca evolui na guerra. Meus melhores pensamentos me vieram com a paz, deitado, se possível, bem relaxado, altruísta, caminhando e artista. Só a pintura me evoluiu. Sem ela não teria a alegria do gesto elegante. Poderia tê-lo elegante, mas não alegre. A alegria é a coragem e a vitória. Ou seja, sem a pintura, a alegria, a vitória e a coragem eu teria sido um direitista qualquer numa varanda carioca. Endinheirado. Seria um comentarista da Gang News, a falar atrocidades, cruel e fingindo inocência. Contudo, seria mais rico que ele, mais rico que eu, que tão-só e plenamente vivo, como um príncipe das Astúrias da pintura, a existir sem ser.
Sem dúvidas. Um pintor, mesmo arcádico como eu, irritado com os mosquitos e micuins das bucólicas paisagens tiradentinas, mesmo eu, penso sempre, e obsessivamente, na paz, ou melhor, na guerra. Pinto e penso na guerra. E não pense os senhores que Rafael pensasse em outra coisa, pra não falar de Leonardo. Sem limites. Pintar e guerrear sem limites. Até que um dia faça a pintura melhor, o ataque maior e me livre de vez da guerra. Não, não. Jamais pensei assim. Ou seja, não seria tão só o prioritário desenvolvimento advindo da big sharing a nos dar a paz. Mas, já seria um grande passo. O grande passo para a paz.
Mas, como dá-lo? Ofertá-lo. Não se preocupe com isto. Pinte. Tudo desmorona por dentro, ouve-se o ruído depois. O ruído da Big Sharing já se ouve e vai ser ouvido para sempre. Para sempre. Pinte. Pinte crianças sem fome, logo estarão saciadas. Soltem os palestinos apartados e todos viverão em Gaza. Pinte, Oscar Araripe pintor, pinte novas figuras humanas. Estamos já fartos destas. Fartíssimos. Como suportar uma imagem destas, tão inumana, tão mal desenhada? Abaixo a natureza.
Por vezes penso em pintar Bin Laden. Não fosse ele crente e já o teria pintado. Pintei Tiradentes, como Jesus Cristo. Pintei um Cristo anárquico (eu era muito jovem e estava apaixonado) e o joguei fora. Pintei Bárbara de Alencar, minha hexavó heroína, incestuosamente. Desenhei Tristão para depois pintá-lo. Nunca o faço. O desenho o será sempre melhor que a pintura. Tudo é sem segundo e sem tempo. Ainda estamos desalinhados com Havana. Fidel resiste. Hugo Chaves, bolivariano, araripista. Mahmoud Ahmadinejad David. Desmorona o império. É hora de pegar o pincel, inventar tintas. Pintar, que um poeta não necessita de nada. Ha, ha, ha.