Vejo e penso na pintura, e em tudo. Ser inventado e simultâneo. Uma pincelada é um desejo sobre as almas impossíveis, algo extraordinário, maravilhoso, elegantemente primata, capaz de fazer o mundo sem reflexo e dessemelhante. Pois bem. Vejo que Cidinha, o meu amor de mulher, é de raça e de roça. De raça porque jamais conquistei pessoa tão elevada, respeitada e lindíssima. De roça porque nasceu e viveu sua primeira infância em Valéria, que é uma fazenda no meio de uma estradinha de terra que vai de Catas Altas ao Seminário do Caraça, um lugar esplêndido, de grandes picos de pedra preta, da cor dos olhos do meu derradeiro amor. Qual jovem, tão nobre, não enterraria ali seu belo coração apaixonado? Entretanto, sabiamente, creio que a Petrobrás devia "dar” as refinarias na Bolívia, para a Bolívia. Aliás, Lula não tira a Bolívia da cabeça. Por quê? Ora, não podemos dar exemplos de sub-imperialismo, fazendo da exploradíssima vizinha o que os imperialistas dos Estados Unidos, da Europa e agora da China andam fazendo pelo mundo. Imperialismo geral. Afaste-me. Escrevo por pintar. Vejo beleza na miséria, contra toda minha crença. Jamais pensei. Pois bem, de pé neste mundo deitado fico pensando na Fundação que estamos criando, aqui ao lado, na ex-casa da Zizinha, que acabamos de comprar (atenção: já gastamos todo o dinheiro!). Vejo, para comparar, o site da Fundação Inimá de Paula, e noto o quanto o admiro e o quanto nossas obras, assim como nossas Fundações são diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais. Ele, Inimá, é muito mais eu em muitas coisas. Eu, apenas um ousado cavaleiro, ouso saber que o supero no que sou. Nada mais. O mesmo acontece com ele, acontecia, eu imagino. Tudo somado, me supera. Ele, entretanto, Mas ele, tudo somado, me supera, exceto no que sou. Talvez dois pra cá dois pra lá. Não procuro comparações. Quero os diferenciais que justifiquem uma Fundação, assim como o dele justificou a sua. Minas, o Brasil precisa. E eu também. Todos precisamos. Falta tudo de cultura no Brasil. Tem as crianças. As crianças somos nós, está em nós, em todas as idades, querendo inclusive brincar. É difícil brincar neste mundo. Nem Heidegger, nem Kant. Nem Nietze. A essência da arte está em nós. Não se deve ensinar, ainda que alguma arte possa ser ensinada.. A arte, naturalmente, ensina a arte, que é viver, digamos. A arte de ensinar. Fiz bem, muito bem, em não botar meu dinheiro em ações da Petrobrás. Achei, eu e minha flor valeriana, que o devíamos por na casa ao lado. Ficamos com a casa bem grande. Bem, nós já estávamos agindo como uma Fundação, principalmente em relação ao "ensino insinável” da arte para as crianças. Serrinha, a Futura, Porto Alegre, a Caracol, por todo o país escolas que não me saem da memória. Uma menina disse, em plena televisão, que era "muito fácil” pintar como eu. Que elogio! Podia até já pensar em passar meus pincéis e tintas para meu filho Octávio, esplêndido desenhista aos 10 anos, e ir para a contemplação eterna das montanhas.
...Catalogar a obra, um dos projetos da Fundação, é como pintar um grande quadro. Sei e não sei onde estão meus milhares de originais, desenhos, telas.Todas as minhas posses voaram pelo mundo. Mais de 30 mil links me conectam. Eu, o desligado. O mundo ali, no Largo das Forras, em Tiradentes... onde ando me acostumando a tomar uma tulipa de Backer escura, sentado numa mesa de bar. Dali vejo as torres da Matriz, a mais bela igreja do Brasil. Uma linda ladeira para uma bela Fundação. Vejo crianças correndo por aí, nessa horta onde Zizinha colhia flores para a jarra da minha galeria, toda sexta-feira. Pinçar, cada pincel uma pétala. Quando pintares um rosto pense numa pétala, se for de mulher amada. Se não, pense duas vezes antes de pintá-lo, ou pinte-o de impulso.
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Atrevida / Ilha Comprida / São Paulo / 1995 |
Finalmente a mídia amanheceu hoje questionada, dir-se-ia linchada, não fosse a cordialidade do brasileiro, cordialidade esta feita pela própria mídia. A "nossa” mídia cultiva há anos, entre outros, dois pecados capitais: o tentar fazer crer que o dinheiro de direita é o melhor e o tentar fazer crer que Deus existe, e que assim o quer. Tem também o hábito insuportável de só sublinhar o sublinhado. Adora o circo, é sangrenta e sanguínea. Quase sempre mal escrita ou editada, apressada e parada, fala mais do que não deve e nada do que deveria. Passou (?) a Ditadura e a mídia da Ditadura ficou. É a mesma e está aí. Aprisionou a arte e a cultura num quintal do jornal, na terceira margem da notícia, e as transformou num entretenimento banal, num anexo. Criou uma sociedade de "preferidinhos” de todos os tipos, geralmente escolhidos entre os mais bem comportados. Baby! Enfim, se Deus criou a Imprensa o foi no caldeirão do Diabo. Deixa pra lá.
É incrível, não fosse crível. Lula se diz vítima (e com razão) de ter sofrido um terrível, inimaginável, como ele mesmo diz, golpe midiático... como o que foi tentado na Venezuela contra Chavez (que sorriu ao ouvir) e, fantástico, hoje, horas depois, o OI e o IG nada dizem. Acabou-se o que não era doce. E no entanto o mundo todo acredita, inclusive muitos venezuelanos, que houve mesmo um golpe midiático falido, orquestrado contra Chavez, como muitos acreditam (e com razão) ter se repetido no Brasil. Pergunto: seria isto imaginação? Detesto conspirações.
Minto. Hoje o Alexandre Garcia disse que somos todos burros e iletrados, ao contrário dos chilenos e uruguaios, que são mais escolarizados, e cujos presidentes eleitos não foram citados por Lula em seu discurso de inauguração da ponte sobre o lendário Orinoco...incrível, inimaginável. Uma gaffe, até certo ponto banal do presidente, ao chamar a Venezuela de Bolívia, teve no comentário do Renatinho Machado o mesmo status da crítica bi-presidencial à Imprensa golpista.
O nome da ponte? Sugiro "da Imprensa Livre".
... A ti volto, texto libertador, depois de uma boa parada. A política me pára e me faz pintar. Ao contrário do que se pensa pinto quadros políticos. Quadros para mudar o mundo. Nada hipócritas. Gostaria de escrever e pintar sem na política tocar. Nada dizer. Dizer pra que? Não seria o silêncio da pintura a sua fala mais alta? Fala? Li a Sinfonia em Branco, da Adriana Lisboa. O Alberto Luis Fonseca pediu-me uma capa para a versão inglesa do livro. Ele e ela, e até eu, escolhemos um detalhe de um jarro de flores, vermelho e com muitas borboletinhas brancas. Disse-lhe que a coisa mais difícil do mundo é acertar uma capa de livro. Eu que tinha publicado 3 só acertara uma. E mesmo assim porque feita pelo Roberto Moriconi, um escultor ítalo-brasileiro, infelizmente já falecido, e eu, o ainda vivo escritor-pintor. Mas, o que dizer de Adriana? Que livro bonito! Quase não lembro de nada, tanto que é despedaçado. Pouquíssima história, quase a história de um pintor. Fico imaginando Adriana Lisboa escrevendo a "Minha Vida de Pintor”. Seria "uma vida de perfil”, como o seu lindo rosto de olhar esquecido, que se vê na contracapa da sua brancamente enevoada edição de "Sinfonia em Branco”. Sinfonia em cores, que belo título para um livro de Adriana, um livro escrito por mim (e disponibilizado em meu site). Muitos livros, Adriana, muitos livros, é o que lhe desejo. Quando o seu talentoso editor, o Paulo Roberto Rocco, me publicou em 1973, Maria na Terra de Meus Olhos... e sendo eu jovem como você, e certamente por falta de dinheiro dele e meu, eu, que era bem inexperiente, após ouvir dele uma proposta de parceria na edição de Life Boy, um livro de minha autoria que lhe apresentei um mês depois de Maria, disse-lhe que a mim cabia escrever e a ele publicar. Imaginem! Mil perdões, nobre Rocco, que diga-se, foi muito bem educado antes e depois de ouvir tal grosseria. Mas, nunca mais me publicou nada. Tomara que me perdoe. E me publique Maria, Marta e Eu, a trilogia que começou.
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Cidinha / Ilha Comprida / São Paulo / 1995 |
Mas falemos do Alberto Dines. Ele, como Lula, como eu, fomos todos linchados. Primeiro eles me lincharam, depois o Lula e, finalmente, o Dines. Dines e Lula se sentem muito atingidos. Eu não. Já estou acostumado. Lula tem mais uma chance de ouro. Dines: perder o poder é perda que se ganha. Lembro-me de você no JB, na espera do elevador, nas reuniões (poucas que participei) das editorias, num encontro casual em Portugal. Dir-se-ia, hoje vejo, o mais que admirava. Era o editor dos meus sonhos. Um dia ficamos desempregados juntos e ganhamos um emprego na Companhia Litorânea de Imóveis, do Drault Hernani. Para mim foi como um fim. Para ele era apenas uma espera, até que chegasse a hora de cumprir a bolsa que ganhara da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Gostei dele ainda mais em Portugal. Talvez, certamente, porque estávamos de férias. Ou melhor, ele estava, pois eu já não era do JB. Um dia, voltando da China, resolvi escrever um livro sobre a minha viagem. Na verdade eu queria "deixar” o jornalismo e ficar famoso logo, me livrar logo daquilo e procurava fazê-lo com um fecho de ouro. Tentara antes, com uma reportagem sobre a matança de uns pataxós, mas, de pouco resultara. Mas agora não, meu livro sobre a China seria um sucesso. Eu o chamei China, os Hálitos do Dragão. E mostrei ao Dines. Ele trocou o nome para China Hoje, o Pragmatismo Possível, e pediu ao Álvaro Pacheco, da Artenova, para publicar. Hoje eu o chamaria tão-somente o meu livro da China. Ele e eu acertamos. O livro vendeu 220 mil exemplares! Mas, minha lembrança mais viva do Dines o via solícito na fila do elevador sorrindo para todos nós e em especial para a adorável Condessa Pereira Carneiro, a dona de honra do jornal. Simpático e cordial. Estou certo que além de mim toda a redação o admirava. Hoje, mesmo eu, tenho vontade de linchá-lo. E só não o faço porque se Lula merece chance o que se diria do Dines? No final venci eu, que sou pintor, e há muito já fui linchado.