Minha Vida de Pintor / XXXVDear Mr. Richard Dawkins, Oxford University, England,
Brilliant man from the Venus of my imagination, as I say once -, dear adorable friend, may I disagree with you in one specific point. To an out space visitor Shakespeare is our best Apple (Shakespeare, and my paintings, of course). Querido Senhor Dawkins, Universidade de Oxford, Inglaterra, permita-me discordar do amigo em um ponto. Para um visitante extraterrestre Shakespeare é o que temos de melhor. Mais rápida que a própria ciência, a arte, ainda que rara, mais rara ainda que a matéria, alcança ápices vários a todo momento, mas não necessariamente pelos instrumentos da ciência, e sim por suas revelações intrínsecas sobre a vida em geral. É um osso como colar num pescoço o nosso elo perdido. Se Darwin é universal (duvido muito, embora até o deseje, pois para um artista nada melhor que fazer a natureza como ela deveria ser), Marx, Freud, Botticelli também são. Marx é um Darwin social, um Hegel filosófico e Sigmund Freud nos tirou das cavernas nos fazendo olhar para dentro delas. Botticelli, contudo, deu-nos a alegria e a graça da beleza, sem a qual a alegria é uma mera risada de hiena. Os venusianos adorariam Botticelli, muito mais até do que Darwin que nos revelou o mundo que muitos não queriam, embora o tivesse feito com a leve e gentil didática da sua grande arte. Duvido muito que uma inteligência não se revelasse fúlgida diante da Primavera botticelliana, ou do Balanço do Fragonard, ou de Embarque para Cítara. Ademais, como a natureza, a arte vem sendo atacada pelos artistizados senhores mal projetados, inconscientes do reparo devido, hoje como nunca cruéis e nefastos. Como dísticos, estão nos bancos e nos institutos, nos museus e nas feiras, nos improvisados críticos de jornal e a bem dizer em todos os lugares. São os preferidinhos dos banqueiros jornalistas das fogueiras das vaidades. Ora, nossa fogueira é outra. Somos do Povoado do Araripe, no Exu, onde se festeja a mais bela noite de São João. O São João é a festa da nossa família. A Midsummer Night Dream. Basta de obras do Diabo, caro amigo, diabólicos passeios pelo Haden. Queremos embarcar para Cítara. Você conhece ciência, filosofia maior e melhor, e mais bonita que a arte? Maior embarque do que este, esperançado do gozo reposto, guiado por Watteau? Leve-me Dawkins, leve-me para Oxford. Quero rever Constable. Aprender nada. Revolution in paintings is to paint a new bretoniam landscape. Revolução em Pintura é pintar uma nova paisagem brasileira.
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Casitas Cubanas / Cuba / 2005 |
Pinto, mas, em verdade penso na paz mundial e como, assim como na paisagem, o mundo deveria ser. Se a natureza em sua inegável majestade precisava da nossa inteligência, o que não se dirá de nossa sociologia. Era este um mundo de guerra. Mas a morte, menos colorida, tendia a ser substituída pela vida mais colorida. Eu pensava. Tudo precisava mudar muito. Pintava para fugir das coordenadas insuportáveis e poder me manter ereto. Pobre pênis, acredito normal, sem muitas formações informadas, largado no mundo em guerra, diarréico, era eu um menino sul-americano de um subúrbio proletário do Rio. Pobre e príncipe. Poderia ser ainda um indiano, um americano do norte, pois ali, onde o resto do roubo inglês se concentrara, a injustiça campeia. Consolo-me e animo-me com a alegria da minha própria pintura. Para mim a pintura é um disfarce para pensar e mudar o mundo. Sorte minha a pintura precisar tão pouco do pensamento, pois enquanto pinto penso mesmo é num novo mundo de um mundo novo. Um dia, eu também era um jovem de Vênus, como você, amado ídolo, fui como um desses idealistas que hoje estão no Fórum Social Mundial e creio que não mudei nada. Diante do mundo cruel e miserável continuo acreditando que venceremos, e recebo a pintura (esta arte tão feliz!) como uma dádiva por ter sido um altruísta e ter lutado sempre contra estas barbáries econômicas e sociais, resultado do egoísmo cavernoso e seu retrato: o Dinheiro. Não escrevi sobre mulheres, escrevi contra o Dinheiro. Medo. Deve ter sido medo de gastar os milhões dos ingleses. Algo bem estranho a um inglês, portanto, que venceu Jack, o Estripador e depois os bombardeios de Londres. Pobre England. Ladrões, são ótimos retratistas. Um dia, indo de Londres para Stratfor-on-Avon visitar a Shakespeare birthplace e em especial Anne Hataway passei antes pelo Warwick Castle, e alumbrei-me com a bela coleção de retratos de nobres ingleses. O dinheiro era sujo, mas lá, naquela outrora terra privada, tudo era muito limpo. Aqui, ao contrário, ao cuspirmos no chão estávamos propiciando emprego a um entre os milhões de desempregados do Brasil. Lá não se podia cuspir nem para os peixinhos nos lagos públicos. Mas, os retratos, como os cisnes, eram belíssimos. Os peixinhos muito espertos. As choronas caiam estabelecidas sobre os lagos. Um cemitério silencioso e esplendoroso, não fossem as moças de bicicletas que iam para os rígidos e libertinos colégios semi-internos de Surrey dos anos 60. Moças, recém-pintadas namoravam frades emudecidos. Bem, foi ali que conheci Anne Hataway. Creio que me viu colhendo uma violeta e se animou em apresentar-se aos meus paralelismos estraordinários. A paixão é uma mutação de salto, com o risco de se cair no abismo. Sabia. E foi o que aconteceu. Shakespeare estava ocupado em Londres-, escrevia obras primas na própria coxa, às vezes minutos antes da apresentação. Mas, o salto era uma audácia e parecia que também aqui nas esferas estratosféricas esta lei valia. O espaço era enorme. Mas havia muito pouca matéria. Mas, caiu e podia cair sobre nós, ainda que acreditasse por querer que a fase pior das quedas meteoríticas já tivesse passado. Mas, podia cair. E caiu. Exatamente no Ererê. Uma serra na Bahia que jamais visitei, senão visionadamente. Ali caiu o Bendegó, o meteorito da minha infância. Quando o vi, súbito soube que havia um mundo lá fora, só que ainda pensava que fosse aqui. Percebi também alisando aquele pedacinho roubado do liso metal (que o amigo de papai tinha lhe dado) tratar-se de mundo muito frio. Dois anos antes eu praticamente havia morrido, salvando-me por uma dose cavalar de soro, que ceifou meu irmão e a mim poupou. Seria ele menos adaptado que eu? Teria eu existido porque a natureza saltou? Só para mim? Não acredito. Creio e duvido, mas, de qualquer maneira isto pouco nos interessa. O meu irmão morreu e o Bendegó caiu. Mas foi o Bendengó que me fez olhar as estrelas. E após ela, as borboletas. Borboletas e estrelas. Extravagantes, ambas, entre uma e outra o meu coração balança. Talvez , até por praticidade lúdica, preferisse eu as borboletas, mas me encantavam as estrelas. Em especial as Plêiades. Fechava contraído os olhos por um minuto e depois os abria direto para as Plêiades que se acendiam. Só eu sei o quanto amei as Plêiades. De modo que quando conheci Anne, já era apaixonado ab ovo. Legitimava, nominava, inventava palavras e escrevia só para mim. Era um modesto cabotino. Até os meus três ou seis quadros da minha juventude (quando achei que encarnara Amadeo Modigliani) eram todos literários (embora hoje revendo o único que se salvou vejo que tinha uma luz, mesmo sendo expressionista). Tive que deixar de ser pintor para poder ser escritor e assim poder pintar, já pronto. E digo isto porque não gostaria de me arvorar a dar receitas, ainda que um bom livro seja sempre de receitas. Creiam. Se parasse para contar, este seria um livro de muitas receitas. Mas, prefiro não dizer. Escrevo para não dizer. Não dizer para que meus leitores descubram, embora ninguém disse mais que Promeu, que fez um homem novo e um novo leitor com um só livro, sem capítulos. Olhos. Olhos se fazem nas Plêiades - dir-se-ia. Assim como o desenho se aprende com a névoa, e depois se faz mais enevoado na arte, os olhos eram forjados nas Plêiades antes mesmo de transformarem as paisagens. Árvores, bichos, fontes, rios, montanhas, céus, tudo parecia cair no abismo da minha Íris. Íris como borboletas. Ora, fora um impacto enorme. Algo que me fez perceber o outro. E isto só podia ser o Bendengó quente. Muito quente. Quentíssimo. E assim como pintar é achatar as palavras, a percepção do outro era um achatamento do espaço. O risco? Enorme. O Prazer? Imenso. Tive que desachatar as imagens para poder escrever novamente. Mesmo eu, homenzinho tão erroneamente arquitetado, sentia imenso prazer em ter alguma coisa de útil para fazer. Pintar. Fazer olhos. Ou melhor, purificar os olhos das sub-visões ordinárias?. Daí meu modelo ser as Plêiades. Diz-se, afastam-se umas das outras, como poetas excêntricos. Mas isto ainda vai durar muito tempo. Para nós, conservadores humanos, estarão sempre juntas, achatadas, como os rostos que vi no Bendengó (e que transcrevi em O Ererê / 100 imagens). Ou seja: o salto do Bendegó. Pois bem. Havia algo antes, porém, sempre antes, embora sempre mais diferente...isto em genética. Na arte não era assim. Saltava-se e parava. Às vezes até se sumia. Tudo começava e terminava sem progresso nenhum, e ninguém era grande no lugar do outro. Ou inventávamos um planeta, ou morríamos na Lua. Ademais, pela arte saltava-se a toda hora, todo momento, ainda que admita-se houvesse também riscos nos saltos. Mas, eram muito mais rápidos e seguros. O cérebro parecia gostar, e saltar era como viver 50 anos em 1, às vezes mil anos em 1. Curioso. Quanto menos se cria mais o Criador parecia intervir. Por anos a Igreja comissionou imagens perturbadoras, mentiras voadoras pelos céus que não existiam, impediu que os artistas pudessem comer e ter conforto sem ter que vender seus pincéis que, por puro talento e inteligência, ainda e sempre conseguiam pintar mais do que vem os Papas-e-banqueiros viam. E vejam, não digo que não existam os santos. O hão, só que acham que Deus é quem fará o novo mundo, quando isto, se houver, o será tarefa humana. O pintor o jardineiro o faroleiro o escritor o santo.
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