Conheci Tiradentes por volta de 1965, na companhia de Maria Fernanda, Oton Bastos, Isolda Cresta, o lendário Padre Nereu e o maestro e compositor Edino Krieger, ocasião em que montamos no Solar dos Ramalhos uma adaptação do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Havíamos estreado a peça no Teatro de Ouro Preto, durante um dos primeiros festivais de inverno, e na volta fizemos esta única e rápida representação em Tiradentes, vividamente assistida por muitos tiradentinos. Naquela época Tiradentes era igual e ao mesmo tempo muito diferente. Igual porque ali estava tudo que a faria singular, seu povo, seus novos habitantes, sua magnífica Serra e Igreja Matriz, esta caixinha de jóias que é a Igreja do Rosário-, onde me casei com Cidinha e meus filhos brincam, o alto do São Francisco, tão bem visto de meu estúdio, o Chafariz, os frontispícios inclinados como o Parthenon, o trenzinho de graça gentil tão infantil e todo enfim o seu conjunto harmonioso e tão belamente humano. Ali estavam as casas que haviam vencido o modernismo destruidor. Pessoas encasteladas.Torço por elas. Ficou o quarto sacana do Padre Toledo.Vai ficar: a pinacoteca de Tiradentes, um dos projetos de nossa Fundação. Aliás, todas as pedras ficarão. Porém, diferente porque a morte aqui palpita com todas as forças, e tanto que tudo se conserva e transforma. Diferente por ser viva, ainda que falte a democratização do IPHAN.Enfim, a vida que conserva e a participação que preserva. Estamos vencendo, mas a cidade ainda tolera os carros que a destrói e descaracteriza, e também me assusta este barulho oportunista, dos cruzados, das motocicletas, dos anunciantes barulhentos, e ainda mais quando sou assustado por estes olhos malucos destas “namoradeiras” em série que hoje proliferam pelas janelas dos casarios.
Pois bem, nunca pensei que anos depois viesse a morar na cidade, já com a minha filha Anaí, e por tantos anos, e ver nossos gêmeos Octávio e Victtoria nascerem aqui e por aqui correrem nesta Ladeira da Matriz, de tanto encanto e que tanto gosto, e onde fui e sou muito feliz. Sim, Tiradentes é uma pintura alegre e feliz, radiosa e sem arrogância, nova e transparente.Intuitivamente, e pensando muito, aos poucos, fomos fazendo a obra. Independência e Liberdade, belas palavras daqui. E' certo que a radiosidade e a alegria de Tiradentes, Ouro Preto, Catas Altas e de toda Minas, do mundo, possa ser uma construção pessoal, naturalmente. Minas é a França do Brasil, e Tiradentes, bem, Paris...e assim foi, neste Tiradentes romano, de pedras sobre moledos, por sua palheta gentil, suavíssima, quieta, que mais entendi a pessoalidade barroca.Pessoas como montanhas, o barroco, a linha, a alegria, a liberdade. Volutas uvas sensuais ali na igreja. Vamos à Missa. E assim, o barroco, ali na esquina, aqui em casa, poderia ser eu. O meu estúdio de vidros coloridos, por exemplo. De modo que cinco anos depois de morar e pintar a Bahia e o Ceará, seus mares e praias, fazendas, flores e casarios, heróis e heroínas ( Bárbara de Alencar e Tristão Araripe) eis que torno a pintar Tiradentes, numa revisita meio inusitada.
Dedico esta exposição à Zizinha, minha amiga e vizinha, recentemente falecida, que passou e não passou...como tudo nesta terra, como Tiradentes, tudo morre e não passa, e assim Zizinha ficou, e por tantos e tantos bons e belos motivos. Saudades de Zizinha, saudades de Tiradentes. A dedico também, como sempre, à Cidinha.
Oscar Araripe