TODO MENINO AMA OS PÁSSAROS e odeia a polícia. Ele amava os pássaros e odiava a polícia. Mas qualquer passarinho, por mais baixo que voe e por mais acostumado que seja, odeia as cidades de concreto. E a polícia não passa de um concreto. E o menino via-se com seus ódios insinuados no que de mais amava. Mesmo acordado já não podia insinuar-se fora dos sonhos que vivia - a polícia, a atiradeira e o pássaro na pedra que dela voava ligeiro e acertava a polícia, agredindo o concreto e ensangüentando a cidade. Nos sonhos, então, nem se fala, a pedra podia ser a polícia, o concreto o peito do pássaro, e o seu amor rodava e rodava indefinido.
Tentou pensar diferente, trocando o lugar do pássaro pelo da polícia, e este pelo do pássaro, e um tinha o pêlo de concreto e o outro a plumagem no lugar do pêlo e tornava-se impossível amar as coisas confusas, pois que o menino acreditava que seu amor era de amor e não se rompia com uma polícia de pedra de um pássaro de concreto. Armado o concreto, feito dele edifício, domesticada a polícia, feita dela pássaro restava a cidade e o amor do menino dentro da cidade e que era a sua atiradeira de pêlo de pedra e plumagem de concreto. Refazendo-se, pensou:
Amo os pássaros. O que odeio é a polícia. E viu que haviam nuvens como vertigens, esgarçadas como garças e cruzavam por sua cabeça, amedrontadoras, como se fossem um naufrágio dos céus. E o menino viu-se do alto caindo no universo, atraído por ele, que puxava macio como o veludo que veste as frutas, e que era terno mas lhe impunha medo. Então viu-se polícia, dessas garbosas, aparamentada e armada, polícia concreta. E afogado sentiu-se nadando contra a sua dor, enovelando-se na queda, querendo-a porque era boa, assim como a pluma do pássaro que era pássaro e a pluma que era pluma. Ah! A falsa queda de qualquer cama, sem escarpas, queda de plumas, ficção nas veias, queda em silêncio rasgando as veias.
Desliga, desce: As árvores que restavam nos restantes quintais eram férteis e úmidos os quintais e radiosas as árvores. E o menino desceu, ambiciosamente, em vertigem, escondendo-se na seiva, guarita do chão, chão também de concreto, policiado chão ainda em seiva e que guardava, em estrume, a pressa com que diluía o seu corpo de pássaro e de concreto.