Pobre pintor que crê em realidades, ainda que criadas por ele. Pobre de mim. Nem as cores me bastam. De que valem os desenhos? se as curvas se fecham e as retas claudicam. Parece coisa inventada. O Poeta, após realizar sua vigésima-primeira conquista (já que prêmio ainda não era) vê-se à frente do Docodema. Era o undocodema, um átimo de segundo, se fóton não fosse, o relâmpago e a gravidade, grave solução. Devia falar de nada. Não contar que fui com R e B e Cidinha à Cataguases. Nada dizer sobre o nobre Marcelo Peixoto, bravo gestor cultural - onze mil metros quadrados de artes e artezanatos, cultura, para todos. Prodígio. O que são as apagadas cores diante daqueles jovens que acreditam no teatro, na dança, na música, na arte com a ciência, com a educação e com ela mesma? O Docodema. Não, Marcelo não podia ser o Poeta do Governo do Poeta. Podia, pudera, está podendo. Devo calar. Não dizer que Sérgio é o canto da sereia, que Bárbara é rainha dos mares, gregos mares alemães. Omitir que vi uma mulher fortíssima e de grande decisão na escultura de Sônia Elblik na Praça da Estação de Cataguases. Que vatícínio Sr. Peixoto & filhos. Aí estão seus tijolinhos, todos, sua fábrica acalorada a lembrar os oficineiros da arte o valor do calor e do suor. Arre! Oscar Niemeyer. Aldari Toledo... dormi num quarto projetado por ele. Vi a lindeza de um painel de azulejos azuis e brancos de Djanira, de Santa Rita de Cássia. A das causas impossíveis. Um lindíssimo chalê carioca em pleno âmago dos modernistas. Humberto Mauro. Cinema é cachoeira Isto é, vida. Quatorzevoltas. Exijo que Ascanio Lopes passe a ser chamar Quatorzevoltas Lopes Ascânio. Marcier, santos palatáveis. Guignard: eu colho flores para mostrar quantos sepulcros enfeitei. Francisco, Peixoto, onde estás que não ressuscitas? Não vês que Cataguases é também barroca? Barroca de modernismo. Barroca de oitis. Portinari, quero de volta meu Tiradentes! José Pedrosa, mande-me estas moças. Deixe-me entrar Heitor dos Prazeres. Vamos almoçar prezado Don Francisco Borés Lopez. Iberê, meu amigo, lute por mim no céu. Peixes, peixes para Iberê Camargo. Senhor, quem é tal reclinada senhora, assim tão inventada por Jan Zach? De Cataguases tudo deixei e só quiz um balde de carpas recem-nascidas do laguinho do Hotel do Aldari Toledo. Mas nem isto ousei pedir. Tudo ali quis deixar. Deixar meu nu do Santa Rosa, que ele mesmo me deu. Rever Fayga, sentar num Tenreiro, passear pela ponte vitoriana, plantar uma estufa-orangerie, envidraçada para a rua, no grande salão do Instituto Chica Peixoto. Que lindo! Cataguases, mãe dos verdes modernos, bem precisa de um estufa de plantas e frutas. Borboletas. Aves. Cascata. Peixes, caro Peixoto. Os peixes portam sorte. A ala das jabuticabeiras. Hoje produzimos os melhores figos de Cataguases. Temos régeas vitórias-régias, pernaltas e colibris. Nossa estufa em nada deve à lindeza do chalet da Catarina, ao painel da Djanira, a ogiva de Santa Rita, a marca dos trilhos, a Estação, o hotel, o colégio, Cataguases, uma pomba no rio, tomara que não a matem. Não, não a matarão.
 |
| Para Guignard / Eu colho flores para mostrar quantos sepulcros enfeitei |
Tolo, um dia, malfadado tempo, eu cri não saber o que era a Pintura. Elegantemente, influenciado pela mídia imperialista, fazia sucesso dizendo: A Pintura!? Eu não sei nada sobre a Pintura. Na verdade eu sabia tudo. Era muito simples: O que é a Pintura? Feche os olhos e imediatamente reabra-os. Eis a Pintura. Tá no corpo. A visão depois das trevas. O primeiro instante da visão, eis aí aonde pulsa o meu coração. Digo isto porque digo, e mais porque é imperioso reincluir o ensino das artes na educação. Bárbara cultura imperial que nos faz permanecer de olhos abertos. Só os fechamos ao dormir, cansados, muito cansados das batalhas do dia. Ou ao morrer, quando somos vencidos. Porisso pinto. Mesmo sem pinto pintarei. Refarei a visão a cada pintura, ou fechar e abrir os olhos, tanto faz. Sim. Todos sabemos o que é a pintura. O maestro Karabitshevsky dizia que a música estava nas veias dos homens. Quer voltar com o ensino da música (e de todas as artes) nas escolas. Grande maestro. Tive vontade de pintá-lo. Sim. Fechei e abri meus olhos e o revi moço ainda, muito bonito, arrebatador, carismando nas festas e no pódio, com grande energia, inteligência (imagino que pensasse em outras coisas enquanto regia), sabia perfeitamente como era fácil a verdadeira arte. Nada melhor do que uma onda na beira da praia para integrar Malher e Copacabana. Eu pinto casas que venceram o modernismo. Ficam nos olhos depois das trevas. A Pintura? Sei que é uma arte de velhos reis e jovens príncipes e que serve para se ser amado, admirado e imortalizado. Pintura é generosidade. Só os pintores decidem mais que os banqueiros. Aliás, muito mais, Zeus, quantas decisões é preciso para pintar. Porisso devem os pintores serem reis-poetas, eleitos, sem candidaturas. Outro dia, meu amigo Sérgio perguntou-me se eu tinha intenção de me candidatar à Academia Brasileira de Letras. Não. Respondi-lhe, de pronto (até por saber que dificilmente não teria meios para uma candidatura, já que me faltava a mínima estabilidade social-pecuniária mensal, indispensável, e ademais eu estava meio fora do mundo já há muito tempo, mundo oficial, digo). A Academia deveria ter mais cadeiras, afinal o Brasil cresceu e não se pode mais ser um país de um só poeta, de um só escritor, de um só pintor. Mas o pior, arrematei, é que um poeta não pode se candidatar. Ponto. Que seja eleito, vá lá, pois ninguém é de ferro, mas, sem se candidatar. Candidatura só natural. Ou seja, por aí íamos conseguir inaugurar a verdadeira imprensa, o jornal nosso de cada dia.
